Seguro RC em tempos de Coronavírus (Covid-19)
As Condições Contratuais
Padronizadas do Seguro de RC Geral, aprovadas na Circular SUSEP
437/2012, dispõem no artigo 5º que, no seguro de responsabilidade civil, a sociedade
seguradora garante ao segurado, quando responsabilizado por danos causados a
terceiros, o reembolso das indenizações que for obrigado a pagar, a título de
reparação, por sentença judicial transitada em julgado, ou por acordo com os
terceiros prejudicados, com a anuência da sociedade seguradora, ou ainda das
despesas emergenciais que o segurado vier a incorrer em para tentar evitar e/ou
minorar danos causados a terceiros.
Diante da pandemia causada pela Covid-19, seguradoras
poderão ter de enfrentar sinistros em apólices que dão cobertura de
responsabilidade civil geral (RC Geral) aos seus segurados, decorrentes de
reclamações de terceiros por danos pessoais e/ou materiais causados direta ou
indiretamente não apenas pela contaminação em si, como também em função da
inobservância de normas e medidas governamentais para evitar o aumento do
contágio (o que contribuiria para a facilitação da proliferação, contaminado
clientes e usuários).
No primeiro caso, condomínios e empresas (e produtos e/ou
serviços a elas vinculados), especialmente hospitais, clínicas e profissionais
de saúde e, no segundo caso, empresas que adotarem o teletrabalho (home
office) para cumprir resoluções de isolamento social poderão vir a ser
processadas civilmente por terceiros que sofrerem prejuízos resultantes de
contaminação ou negligência com a inobservância de normas, falta de avisos ou
medidas adequadas de proteção, acidentes de trabalho ou quebra de equipamentos
pessoais do colaborador durante o trabalho à distância. Diante dessa mudança de
cenário, torna-se prudente o segurado reavaliar se as coberturas securitárias
contratadas estão compatíveis com a nova rotina operacional.
Vale observar que, recentemente, o Plenário
do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou Ações Diretas de
Inconstitucionalidade propostas por partidos políticos e confederações de
trabalhadores, suspendendo a eficácia do artigo 29 da MP 927/202 (“Art. 29. Os casos de contaminação pelo coronavírus
(covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante
comprovação do nexo causal”)[1].
O referido dispositivo da MP
927/2020 buscava deixar claro que os casos de contaminação pela Covid-19 não
seriam considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. Médicos,
enfermeiros e demais profissionais do setor de saúde ou de alguma forma
dedicados ao combate à pandemia e seus efeitos, por exemplo, comemoraram o
acerto da decisão, já que não teriam de provar o nexo causal entre o trabalho e
a doença (em função da natureza da atividade desenvolvida por esses
profissionais, o nexo causal é presumido e o ônus da prova se inverte, cabendo
ao empregador demonstrar que a contaminação ocorreu de outra forma ou sem culpa
sua).
Entretanto, outros setores a
criticaram, na medida em que ela retirou o ônus da prova do nexo causal daqueles
que trabalham em escritório ou em regime de home office, possivelmente empurrando
todo o ônus da prova de sua inexistência ao empregador, qualquer que seja a
atividade laboral desenvolvida.
De qualquer forma, ainda que o
Judiciário venha algum dia a reconhecer a contaminação de empregados pela
Covid-19 como doença ocupacional, não haveria, em tese, cobertura do seguro de
RC Geral, já que este exige, por princípio, a ocorrência de um acidente
pessoal, e doença ocupacional não é acidente pessoal. Aliás, “reclamações
relacionadas com doenças profissionais, doenças do trabalho ou similares” são riscos expressamente excluídos das Condições
Contratuais Padronizadas do seguro de RC Geral.
De outro lado, eventual contaminação pela Covid-19 pode ser,
em si, a causa (ou concausa) da responsabilidade civil dos prestadores de
serviço de saúde. No início da pandemia, certo advogado, em entrevista a um
canal de TV, criticava a direção de grande hospital da Cidade de São Paulo, que
não teria evitado o contado entre familiares e uma parente lá internada que havia
contraído a Covid-19, o que poderia ter levado à contaminação desses familiares
após as visitas.
Nessa hipótese, vale registrar que, muito embora uma “doença”
possa ser considerada um “dano corporal” segundo as Condições Contratuais Padronizadas da SUSEP, o
seguro de RC Geral via de regra não é aplicável a reclamações de terceiros contra
hospitais, clínicas e demais prestadores de serviços médicos, por contaminação
pela Covid-19, na medida que também estão excluídos da garantia os riscos
relacionados a falhas na prestação de serviços profissionais (que exigem
conhecimento ou treinamento técnico especializado, habilitação por órgãos
competentes, como, por exemplo, CRM, OAB, CREA e outras entidades
regulamentadoras de profissões).
Para cobrir os riscos de contaminação por tais atividades
profissionais, existe o seguro de RC profissional (ou seguro E&O), que, por
sua vez, não possui plano padronizado na SUSEP, ficando a cobertura para a
eventual responsabilidade civil dos prestadores de serviços médicos (para
contaminação pela Covid-19) dependente do clausulado da apólice de cada seguradora.
No entanto, causar contaminação, intencionalmente ou não,
como, por exemplo, deixar de tomar medidas exigidas pelas autoridades,
incluindo as sanitárias, é passível não só de ação penal como também de
responsabilização civil.
Assim, no caso de hospitais, clínicas e demais prestadores
de serviço médicos, a garantia dependerá do clausulado de sua apólice de seguro
E&O e, no caso das demais empresas, de sua apólice de seguro RC Geral, caso
as respectivas condições contratuais tenham sido modificadas (em relação às Condições Contratuais Padronizadas do Seguro de RC Geral)
para prever cobertura ou exclusão por danos decorrentes de contaminação em
epidemias ou pandemias.
Por fim, saliente-se que as Condições
Contratuais Padronizadas do Seguro de RC Geral não excluem expressamente
pandemia da cobertura. Porém, isso não significa que qualquer evento
relacionado à Covid-19 terá respaldo securitário. Conforme acima mencionado, a
cobertura dependerá da análise individual do caso.